Em linhas gerais podemos definir a inseminação como o procedimento de reprodução assistida em que o sêmen é depositado em algum local do trato genital feminino. O primeiro relato do procedimento data de 200 anos atrás, quando John Hunter realizou uma inseminação vaginal em uma mulher cujo cônjuge era portador de hipospádia, ou seja, a extremidade distal de sua uretra não estava na glande do pênis e assim ele não conseguia ejacular no interior da vagina da esposa.

Ao longo dos séculos o procedimento evoluiu cada vez mais em estratégia e características do preparo do sêmen. Inicialmente utilizava-se sêmen fresco sem preparo. Um problema desta técnica era que o sêmen fresco somente podia ser inseminado com relativa segurança intravaginal ou intracervical, pois continha várias substâncias que impediam a colocação do sêmen diretamente na cavidade uterina, como por exemplo proteínas seminais que poderiam desencadear processos alérgicos, ou substâncias químicas que causavam contrações uterinas fortes e dolorosas – como as prostaglandinas.

Daí desenvolveu-se a necessidade de preparos laboratoriais do sêmen para tanto melhorar suas propriedades de capacidade espermática, quanto para depurá-lo de substâncias estranhas, alérgenos, microorganismos e impurezas, e assim permitir sua deposição diretamente na cavidade uterina sem riscos para a mulher.

Atualmente, o procedimento de inseminação quase exclusivamente utilizado, pela sua segurança e resultados, é a modalidade intra-uterina com sêmen preparado. As outras modalidades intravaginal, intracervical, intra-falopiana (tubária) e intra-peritoneal, são raramente utilizadas e nestes casos em centros de estudo e pesquisas.

Para realização da inseminação intra-uterina (IIU) pode-se utilizar o sêmen do próprio cônjuge da mulher, sendo neste caso o sêmen fresco ou congelado, ou de um doador anônimo, neste caso sempre o sêmen previamente congelado e tendo sido o doador avaliado para excluir doenças com potencial de transmissão por líquidos biológicos, como apatetes B e C, HIV, HTLV.

Em linhas gerais o objetivo da IIU é facilitar o encontro sincronizado dos gametas, espermatozóide capacitado e ovócito maduro recém ovulado, no sítio natural de fertilização que é a trompa de falópio. Assim anula-se o efeito deletério sobre o sêmen de fatores como a acidez vaginal, e ou o muco cervical. Em vários centros de reprodução a IIU é considerada como o tratamento de 1ª escolha de Reprodução Assistida em mulheres com trompas pérvias cujos maridos tenham número mínimo necessário de espermatozóides. Modernamente, o procedimento envolve sempre a preparação do esperma (capacitação ou processamento seminal) e inseminação em ciclo com estímulo farmacológico da ovulação.

INDICAÇÕES PARA IIU COM SÊMEN DO CÔNJUGE (HOMÓLOGO)

1. Falha Ejaculatória

São situações em que o sêmen não é corretamente depositado pela ejaculação no fundo da vagina próximo ao colo. Principais causas:

• Anatômica – hipospádia
• Neurológica – impotência secundária a lesões nervosas
• Ejaculação Retrógrada – refluxo de sêmen da uretra para bexiga na ejaculação, por causas farmacológicas ou nervosas.

2. Subfertilidade Masculina

Casos em que a produção seminal encontra-se em parâmetros inferiores ao mínimo determinado pela Organização Mundial de Saúde (OMS). São padrões seminais normais pela OMS:

• Volume >= 2 ml
• Concentração > 20.000.000 / ml
• Motilidade : 50% com motilidade progressiva A+B ; ou 25% A
• Morfologia : 30% normais
• Menos de 1.000.000 de leucócitos / ml
• Ausência de anticorpos antiespermatozóides

Nestes casos o homem é considerado sub-fértil. As probabilidades maiores de sucesso na IIU ocorrem quando no preparado final, após o processamento seminal, temos uma concentração acima de 5.000.000 de espermatozóides móveis (A+B) por ml de sêmen.

3. Fator Cervical

Consiste na presença de um muco cervical inadequado, ou mesmo hostil para os espermatozóides, dificultando sua capacitação e ascensão para o útero e trompas. Pose ser avaliado através do exame da filância do muco pré-ovulatório ou do Teste pós-coito. Principais causas:

• Endocervicites
• Anticorpos anti-espermatozóide
• Estenose cervical severa
• Pólipos e leiomiomas endocervicais
• Iatrogênica: cauterizações, conizações

4. Fator Imunológico

Presença de anticorpos anti-espermatozóides que dificultem a migração dos mesmos, ou impeçam sua ligação com a zona pelúcida. Podem estar presentes no homem (soro, sêmen) e/ou na mulher (soro, muco cervical, fluido tubário).

5. Fator Ovulatório

Uma das causas mais comuns de infertilidade conjugal. Há estudos mostrando melhor chance de gravidez quando se associa a IIU à correção farmacológica do distúrbio ovulatório, ao invés da simples indução da ovulação (Plosker,1994).

6. Endometriose

Nos casos de endometriose pélvica leve a moderada onde não existam alterações significativas das relações anatômicas tubo-ovarianas, a IIU pode representar uma modalidade efetiva de tratamento inicial, antes de se recorrer a métodos mais complexos e invasivos (FIV/ICSI).

7. Esterilidade Sem Causa Aparente (ESCA)

Em até 10 a 15% dos casais a avaliação propedêutica não consegue detectar nenhuma causa para sua infertilidade. Muitos destes casais têm taxas mensais de fecundidade muito baixas (< 5 %), e podem se beneficiar de um programa de tratamento com IIU.

INDICAÇÕES PARA IIU COM SÊMEN HOMÓLOGO CONGELADO

1. Ausência do marido – viagens constantes ou prolongada;
2. Tratamento para câncer – cirurgia, quimioterapia ou radioterapia;
3. Vasectomia – congelamento de amostras previamente.

INDICAÇÕES PARA IIU COM SÊMEN DE DOADOR (HETERÓLOGO)

1. Subfertilidade Masculina Grave

Em casos onde haja redução severa dos parâmetros seminais no cônjuge, e após o processamento não se consegue recuperar mais de 1.000.000 / ml de espermatozóides novéis, as chances com IIU com sêmen homólogo são bastante reduzidas. A IIU com sêmen de doador é uma opção para casais que não aceitem a fertilização in-vitro.

2. Doenças Genéticas Familiares

Doenças que possam ser hereditariamente transmitidas pelo componente genético do cônjuge : hemofilia, doença de Huntington.

3. Iso-imunização Rh severa

Mulheres Rh negativo e que tenham desenvolvido anticorpos anti-Rh. Neste caso pode-se utilizar o sêmen doado por homem Rh negativo, garantindo que o feto tenha fator Rh negativo, e impedindo complicações peri-natais graves que ocorreriam se esta mulher gerasse um filho Rh positivo. Outra alternativa para este caso é uma fertilização in-vitro com transferência embrionária para um útero de substituição de uma mulher Rh positivo.

4. Falha Persistente de FIV/ICSI

Se houver trompas boas e quantidade razoáveis de espermatozóides, podem-se tentar ciclos repetidos de IIU, com custos muito abaixo dos ciclos de FIV/ICSI.

5. Homossexualismo ou mãe solteira

São situações ainda não completamente regulamentadas pelo Conselho Federal de Medicina ou mesmo pelo Código Civil Brasileiro. O tratamento nestes casos depende de consulta prévia ao Conselho de Medicina da região.

PASSOS DA INSEMINAÇÃO INTRA-UTERINA

• ESTIMULAÇÃO OVARIANA CONTROLADA
• MONITORIZAÇÃO FOLICULAR E ENDOMETRIAL
• PROCESSAMENTO SEMINAL
• SINCRONIZAÇÃO E INSEMINAÇÃO

1. ESTIMULAÇÃO OVARIANA

A IIU pode ser realizada tanto em ciclos espontâneos (sem indução de ovulação) como em ciclos com estimulação ovariana controlada (EOC). O objetivo da EOC seria aumentar o número de ovócitos maduros disponíveis no dia da IIU.

Vários estudos têm mostrado a superioridade dos resultados de taxa de gravidez nos ciclos de IIU com EOC em relação aos ciclos naturais.

A otimização buscada com a EOC é o recrutamento de dois a quatro folículos/ovócitos maduros. O recrutamento de somente um folículo-ovócito reduz as chances de gravidez, enquanto que mais de quatro ovócitos maduros significam um risco alto e muitas vezes inaceitável de gravidez múltipla. Os principais protocolos utilizados para IIU são:

• Citrato de Clomifeno em doses de 50 a 150 mg/dia por cinco dias; • Gonadotrofinas (FSH ou HMG) em doses de 37,5 a 150 UI /dia, em dias consecutivos ou alternados; • Citrato de Clomifeno + Gonadotrofinas.

2. MONITORIZAÇÃO FOLICULAR E ENDOMETRIAL

É realizada através de ultra-sonografia transvaginal e dosagens hormonais. Confirma se o protocolo de EOC utilizado está sendo efetivo no recrutamento dos folículos ovarianos e facilita a sincronização entre a ovulação e a realização da IIU. Além disso, uma monitorização adequada reduz o risco de síndrome do hiperestímulo ovariano e gravidez múltipla.

Deve-se realizar um ultra-som de base no 2º dia do ciclo para excluir patologias ovarianas ou cistos de corpo lúteo. A partir do 8º ou 9º dia do ciclo inicia-se a monitorização a cada dois dias, até que se tenha entre dois e quatro folículos acima de 17 mm. Nesta ocasião os valores séricos de estradiol devem refletir magnitudes de aproximadamente 250 pg por cada ovócito maduro, e os níveis de Lh devem se manter baixos (< 10) para assegurar de que não foi desencadeada a ovulação espontânea.

Neste momento pode ser administrado o hCG para maturação final dos ovócitos, e a ovulação irá ocorrer 34 a 40 horas após esta injeção.

3. PROCESSAMENTO SEMINAL

A preparação do esperma a ser inseminado é um dos passos críticos no processo de IIU.

A técnica de preparo ideal é a que consegue recuperar o maior número de espermatozóides móveis e morfologicamente normais em pequeno volume de meio de cultura, livres de plasma seminal, leucócitos , bactérias, espermatozóides anormais, células imaturas e debris celulares.

A coleta do sêmen é feita através da masturbação no caso do sêmen fresco, ou descongelamento da amostra no caso de sêmen congelado.
A maioria das gravidezes ocorre quando a concentração dos espermatozóides móveis inseminados está acima de 5.000.000 /ml.

Várias técnicas de preparo do sêmen podem ser utilizadas sendo as principais:
• Gradiente de densidade (Isolate);
• Swim-up

4. SINCRONIZAÇÃO E INSEMINAÇÃO

A principal racionalidade do procedimento de IIU é garantir que espematozóides viáveis estejam presentes nas trompas no momento da ovulação. É fundamental portanto que determinemos o momento da ovulação.

Em ciclos naturais este momento pode ser estimado pelo acompanhamento da curva de temperatura basal ou análise seriada do muco cervical. No entanto, estes procedimentos têm acuracidade baixa, por dificuldades de mensuração, variações biológicas e variações de avaliação intra e inter-observador. A determinação seriada dos níveis de LH, através de fita urinária ou dosagem por radioimunoensaio, constitui-se no método mais fidedigno, pois a ovulação invariavelmente ocorre por volta de 40 horas após o início da onda de LH, e em torno de 36 horas aos o pico daquele hormônio no sangue.

Em ciclos estimulados, o controle estrito através da monitorização ultrassonográfica do crescimento dos folículos e dosagens de LH e estradiol séricos, permitem determinar a momento em que os folículos contêm ovócitos maduros. Neste momento administra-se o hCG exógeno que exerce o papel do LH. Desta maneira estaremos simulando o pico endógeno do LH, e sabemos que a paciente irá ovular em média 34 a 38 h após a injeção.

Estando o sêmen preparado, a inseminação deve ser realizada de 38 a 40 h após a administração do hCG, quando certamente os óvulos estarão na trompa aguardando os espermatozóides. Neste momento é prudente realizar um ultra-som para confirmar a ovulação. Se a mesma ainda não ocorreu, alguns centros de reprodução repetem a inseminação após 24 h.

A IIU é um procedimento simples e minimamente invasivo. A paciente fica em posição ginecológica – a mesma posição da prevenção (papanicolau). O colo do útero é limpo com soro fisiológico para retirada de secreções no orifício cervical externo. Em seguida introduz-se o cateter de inseminação, de material plástico flexível e cerca de 1 mm de diâmetro, através do colo do útero até atingir cavidade uterina. Então se faz a injeção do sêmen preparado que já se encontra em uma seringa acoplada ao cateter. O procedimento é completamente indolor na grande maioria das vezes.

A paciente então repousa deitada por 20 a 30 minutos, e em seguida é liberada. Nos dias seguintes pode manter sua rotina normal. Após 14 dias realiza-se o teste de gravidez através da dosagem sérica de beta-hCG no sangue.

RESULTADOS

Os resultados do procedimento de IIU, em relação às taxas de gravidez, variam entre as clínicas devido a heterogeneidade de vários fatores como a seleção dos pacientes e os protocolos de estimulação ovariana utilizados. Além disso influem nos resultados os seguintes fatores:

• Causa da infertilidade;
• Idade dos parceiros – principalmente da mulher;
• Duração da infertilidade;
• Parâmetros do sêmen;
• Níveis de estradiol no dia do hCG.

A literatura mundial cita taxas de 15 a 20% em média, variando desde 10% em pacientes acima de 39 anos, até 30% em pacientes abaixo de 25 anos com parâmetros seminais ótimos.

É importante orientar os casais que aderem aos protocolos de IIU da eventual necessidade de repetição dos ciclos de tratamento para obtenção de gravidez, afinal se o casal tenta até quatro vezes com boas condições clínicas as chances cumulativas de gravidez são bastante razoáveis, chegando a 50-60%.

Em geral o casal que se beneficia do tratamento de IIU, consegue gravidez até o quarto ciclo. Após a quarta tentativa devem se reavaliar as chances reais, e propor nos casos cabíveis, terapias de reprodução assistida com maiores chances de gravidez, como a fertilização in-vitro.

COMPLICAÇÕES

Por ser um tratamento com baixa morbidade e mínimo grau de invasibilidade, as complicações clínicas importantes da IIU que possam trazer riscos para a mulher são infrequëntes.

A correta monitorização e o bom senso na realização do procedimento minimizam a ocorrência das duas principais complicações:

• Síndrome do Hiperestímulo Ovariano;
• Gravidez Múltipla.

A síndrome do hiperestímulo ovariano ocorre quando há uma resposta excessiva dos ovários às medicações utilizadas para indução da ovulação. Os ovários ficam bastante aumentados de volume, e ocorre uma série de alterações metabólicas e de permeabilidade vascular que podem causar desidratação, alterações eletrolíticas e em casos mais graves acúmulo de líquido em cavidades corporais como o abdome e a pleura. Quando precocemente detectado o risco de hiperestímulo, este pode ser evitado, e caso ocorra se apresenta em modalidades leves a moderadas com efetivo tratamento ambulatorial ou hospitalar que leva a completa recuperação.

A gravidez múltipla deve também ser considerada uma complicação do tratamento, já que os bebês nascidos destas gestações têm maiores riscos de complicações peri-natais, notadamente a prematuridade. Em geral 75% das gravidezes advindas de ciclos de IIU são únicas; 20% são duplas (gêmeos); e até 5% são gravidezes de maior ordem (triplos, quádruplos). É fundamental o cuidado para cancelar um ciclo em que haja um recrutamento folicular excessivo para evitar um risco elevado de gravidez múltipla.