Meus amigos e minhas amigas,

Acredito que esse foi o texto que mais demorei a terminar, próprio do assunto que no título de define.

Sempre me impressionou a situação de invisibilidade dos casais inférteis: não são visto nem pelo Estado e nem pela sociedade. Sofremos. Escondemos – nos, muitas vezes por vergonha, a dor. Ninguém espera enfrentar a infertilidade. Quando casamos, acreditamos religiosamente que na hora que desejarmos seremos pais. Quando, no entanto, nos deparamos com ela, nos sentimos sozinhos e desamparados. É difícil! Mas é difícil mesmo, o que parece ser a coisa mais simples do mundo para a maioria dos casais, para uns se torna uma verdadeira “via crucis”, um longo e espinhoso caminho, onde de nada temos certeza. Nem mesmo do fim…

A infertilidade é uma doença cada vez mais comum em nossos dias e é reconhecida pela Organização Mundial da Saúde. Mas, pasmem apenas recentemente foi reconhecida como tal. Um absurdo! Atinge 15 a 20% da população em idade reprodutiva – uma alta prevalência! Seus impactos psicológicos equivalem aos de uma doença crônica. Cabe ao Estado garantir o tratamento para esses casais através do Sistema Único de Saúde (SUS) e criar normativas obrigando os Planos de Saúde a fazer o mesmo.

Hoje a realidade é muito dura para o casal infértil. Nas poucas unidades de saúde do país onde os tratamentos são oferecidos gratuitamente, muitas ligadas às universidades, as filas de espera são imensas! Demoram-se anos para realizar os exames e ter um diagnóstico do problema. Como conversamos, o tempo corre contra esse casal.

Além disso, infelizmente, na maioria dos casos são ofertados apenas tratamentos de baixa complexidade, como a indução da ovulação e a inseminação artificial. A Fertilização In-vitro, solução para a maioria dos casos, está acessível no Brasil apenas nas clínicas particulares e em alguns raros centros, principalmente situados no sudeste do país. E muitos casais não podem pagar por ela.

Tenho uma proposta simples, mas que pode ajudar a mudar essa realidade. Dependerá de todos nós. No Brasil, são 15 milhões de casais precisando de ajuda. Com uma prevalência tão alta, por que não temos nenhuma associação dos casais inférteis? Uma associação que funcione como uma rede de apoio para esse casal e que chame a atenção da sociedade brasileira a situação enfrentada por ele. Essa é uma proposta ousada, uma associação com caráter nacional, mas o que me importa se ela á ousada; o fato é que algo precisa ser feito, algo que seja realmente grandioso. Parafraseando o poeta: sonho que se sonha junto vira realidade.

Nenhuma conquista de direito na sociedade ocorre sem organização. Nenhuma! Quero citar um exemplo. Há 25 anos foi criada a Associação Brasileira de Ostomizados. A ostomia é uma cirurgia que desconecta algum trecho do tubo digestivo, do aparelho respiratório ou urinário, com abertura de um orifício externo (estoma) ao qual é ligado um tubo. Familiares e ostomizados, unidos, buscaram garantir a qualidade de vida desses pacientes. As ações incluíram o fornecimento pelo Estado das bolsas coletoras, campanhas para a construção de banheiros acessível em locais públicos e até o Dia Nacional da Pessoa Ostomizada!

É um grupo bem menor do que o dos casais inférteis, mas organizado. Diante da falta de bolsas ou medicamento, eles estão lá denunciando a situação na imprensa, buscando garantir seus direitos. Quando você viu alguma mobilização exigindo os tratamentos para os casais inférteis? O Estado Brasileiro não pode nos negar o direito de ter filhos. Há apoio e incentivo para os casais que não querem ter filhos, com cirurgias de vasectomia e laqueadura tubária pagas pelo SUS. Compreendam: o Estado Brasileiro paga a pessoa que quer ser esterilizada, em verdade, fez até uma Lei assegurando o direito a essa pessoa de ser castrado. Por que a situação de omissão com os inférteis?

Muitos mitos precisam ser discutidos com a sociedade e desfeitos. Um deles diz respeito ao preço dos tratamentos em reprodução humana. O argumento é que planos de saúde e Estado não oferecem a FIV, porque é um tratamento muito caro. Em clínicas particulares, a Fertilização In-vitro custa em média R$ 12 mil. Quero fazer apenas um comparativo. Uma cirurgia de coração custa R$ 18 mil reais. Quantas cirurgias desse tipo estão ocorrendo nesse exato momento pagas pelos planos de saúde?

Tenho vários outros exemplos: pacientes com artrite reumatóide tem uma injeção mensal paga pelo SUS. Sabe quanto custa uma ampolinha de anti TNF? Sete mil reais. Isso mesmo! Sete mil reais! Mas eles são organizados, nós não. Estamos escondidos dentro de nós mesmos, dento na nossa própria dor!

Escolhi trabalhar com reprodução humana por acreditar na vida. Não dá para descrever a felicidade quando conseguimos vencer a infertilidade e realizar o sonho da maternidade e da paternidade. Isso não tem preço e é um direito nosso. Tenho um sonho: ver os casais inférteis sendo priorizados pelo Estado e pela sociedade brasileira. Juntos podemos realizar isso.

Tenham todos uma boa semana. Fiquem com Deus!

Este artigo foi escrito pelo Dr. Evangelista Torquato, Diretor de Tecnologia do Centro de Medicina Reprodutiva BIOS.