Coluna de autoría do Dr. Evangelista Torquato publicada no Jornal Diário do Nordeste no dia 04/11/2007.

Flávia Soares Parente Psicóloga da Clínica BIOS

As próximas duas colunas serão dedicadas ao trabalho do serviço de Psicologia do nosso Centro de Reprodução Humana. Está a frente dele uma profissional pela qual eu nutro um profundo respeito. Portanto, não os verei durante 15 dias; mas é por uma justa causa.

“Há 40 anos, um casal infértil dispunha apenas de duas opções: continuar sem filhos ou adotar. Muitos deles satisfizeram seu desejo de serem pais, tornando-se os tios favoritos de seus sobrinhos. Atualmente, entretanto, a construção cultural da infertilidade tem mudado, na medida em que os casais inférteis são expostos a uma grande quantidade de informações e a diversos tipos de intervenções e novos tratamentos médicos, através da tecnologia de Reprodução Assistida (RA).

Um casal com dificuldades de reprodução, nos dias de hoje, dificilmente não é confrontado com essas novas técnicas reprodutivas, as quais possibilitarão realizar o sonho de ter um filho. A infertilidade sempre existiu, mas, provavelmente, está mais em evidência graças ao progresso da ciência e da tecnologia. O projeto de filhos, de constituir uma família são aspectos ainda muito valorizados na sociedade moderna. Apesar dos novos papéis que a mulher vem ocupando na sociedade contemporânea, a imagem associada à mulher-mãe ainda é muito valorizada. Esse desejo de filhos, família, de reprodução, de continuidade, entre outros significados simbólicos colados à procriação de seres humanos, é o que vem legitimando a proposição de uma série de inovações biotecnológicas, surgidas de forma contínua no campo da medicina reprodutiva.

Qualquer que seja o modo de concepção, um grande número de razões, com diversos graus de consciência ou de inconsciência pode motivar o desejo de ter esse filho: voltar à própria infância, satisfazer às necessidades infantis contrariadas, confirmar uma certa imagem de virilidade ou de feminilidade, canalizar uma necessidade ou uma capacidade de amar, viver uma gravidez, “ser como todo mundo”, esconjurar a morte, satisfazer a um cônjuge, querer uma espécie de “segurança” contra a solidão ou um “arrimo para a velhice”…

Enfim, o filho poderá ser o depositório involuntário de muitas significações freqüentemente inconscientes. Marina Ribeiro, uma das palestrantes da VII Jornada de Psicologia e Reprodução Humana Assistida e autora do livro “Infertilidade e Reprodução Assistida”, acrescenta também que o desejo de ter um filho origina-se e permanece vinculado ao desejo narcísico de imortalidade do Eu. E uma maneira de nos aproximarmos da imortalidade é a possibilidade de transmitirmos a herança genética para os descendentes. Seger-Jacob, Doutora em Psicologia, coordenadora do GAM (Grupo de Apoio Multidisciplinar), e também palestrante da VII Jornada de Psicologia e Reprodução Humana Assistida ressalta que, uma das normas culturais é a lei de que todos os casais casados deveriam reproduzir; a outra, é a de que esses casais deveriam querer reproduzir.

Muitas mulheres respondem positivamente à pressão cultural de ter filhos. Esse desejo, culturalmente moldado, parece ser extremamente forte, transcendendo sexo, idade, raça, religião, etnia e classe social. Ter filhos, tornarem-se pais e estabelecer uma família, quando um casal assim o deseja, é considerado, na sociedade, parte da vida adulta dos homens e das mulheres. Quando esta situação esperada não acontece, é necessário um processo de reorganização, tanto individual quanto do casal, para poder lidar com a nova realidade, muitas vezes inesperada, de não poder ter um filho biológico.

O projeto parental, em caso de não se concretizar, significa um rompimento dos afetos colocados nos filhos desejados. A perda da fertilidade, e de uma criança que ainda não foi concebida, não é um evento socialmente reconhecido pela sociedade. Não existem rituais que legitimem a dor de um casal infértil pela criança que ainda não foi concebida, transformando-se a infertilidade em um luto silencioso e solitário de quem não consegue conceber um filho. Como esse momento de infertilidade não é previsto, a não ser em situações especiais, a maioria dos homens e das mulheres não estão preparados para enfrentar esse diagnóstico, mesmo que este seja transitório.

O casal passa por um período de reavaliação e reorganização do seu projeto de vida, em função desta incapacidade de serem pais. Geralmente, desencadeia-se uma situação de crise em que muitos casais têm dificuldades para desenvolver mecanismos adequados para lidar com uma perda, temporária ou permanente, da possibilidade de ter um filho biológico.”

Continuamos no próximo Domingo. Boa semana a todos. Fiquem com Deus!

Este artigo foi escrito pelo Dr. Evangelista Torquato, Diretor de Tecnologia do Centro de Medicina Reprodutiva BIOS.